A experiência cada vez pior de viajar de avião

10.02.2025 | Categoria: Novidades

Eu sou uma mulher de 1,62m e vejo o quanto o meu joelho fica perto da poltrona da frente no avião. Como será que uma pessoa mais alta que eu faz para viajar? Convenhamos, é fácil que muita gente seja mais alta do que eu.  

Quando eu era bem novinha, viajar de avião era uma experiência: as poltronas eram confortáveis, os lanches e refeições eram impecáveis, os talheres eram de metal. As pessoas aplaudiam os pousos suaves.

Os comissários de bordo daquela época ainda aparecem na minha mente quando penso em um serviço de excelência.  

E então, em uma viagem ao exterior, me lembro de pegar um avião de hélice bem simples para um voo curto e, durante as demonstrações de segurança, a aeromoça disse que, se houvesse despressurização da cabine, eles iriam nos avisar (?!) – foi quando percebi que aquela aeronave não deveria ser equipada com máscaras de oxigênio. Naquele voo não houve lanche, naturalmente. Mal sabia eu que caminhávamos a passos largos para um futuro de depreciação da experiência de transporte. 

Durante as últimas duas décadas assistimos não só ao final das amenidades em voo e do bom atendimento pelas companhias aéreas, mas também a descontinuação de diversos de nossos direitos enquanto viajantes. Menos espaço entre as fileiras, cadeiras menores. Diminuição do limite de peso das bagagens, cobrança pelo despacho de malas, retirada das refeições e inexistência de alternativa para alimentação para quem queira ou precise.  

 

Poltrona desconfortável nos aviões

Cada vez mais viajar de avião tem sido desconfortável – Poltronas pequenas e apertadas! (Imagem gerada por IA)

A desculpa de “popularização” do acesso ao deslocamento por avião em troca da retirada de direitos e amenidades não cola, já que o aumento de passageiros segue aumento da renda no país e segue a tendência mundial de encurtamento de distâncias e de aumento significativo de viagens nessa modalidade de transporte. No Brasil, de 2000-2010, passamos de 30 para 70 milhões de passageiros por ano. Após 2010, atingimos em 2019 o pico de 130 milhões de passageiros, sendo que em 2024 já estávamos em 118 milhões de passageiros) 1. Já no mundo, o número de passageiros globais aumentou de 1,67 bilhão em 2000 para 2,7 bilhões em 2010. Em 2019, o setor atingiu um recorde de 4,5 bilhões de passageiros transportados globalmente. A pandemia de COVID-19 em 2020 causou uma queda drástica, com o número de passageiros caindo para cerca de 1,8 bilhão (redução de mais de 60% em comparação com 2019). Em 2024 a expectativa era de quase 5 bilhões de passageiros mundialmente2 

Acompanhando a retirada de direitos – e principalmente de bom senso –, é comum assistirmos cenas cada vez mais absurdas no embarque e desembarque de voos, com brigas pelo espaço na cabine para bagagem, despachos compulsórios de bagagens, falta de empatia e colaboração entre as pessoas. É comum vermos mães com dificuldades com seus filhos e os muitos itens que precisam carregar, sem uma pessoa sequer se dispor a ajudar, inclusive os comissários. Outro dia, durante uma viagem, uma criança ria e se comunicava bastante alto, até que um senhor abordou o pai da criança dizendo “o seu filho está incomodando os demais”, ao que o pai respondeu “me desculpe, ele é autista”. O senhor rapidamente retornou ao seu assento e eu fiquei ali assistindo incrédula e pensando: quando foi que o mundo ficou assim? 

As pessoas correm na sua frente para pegar a mesa para a qual você estava se direcionando e fingem não te ver. Derrubam a sua bolsa, a sua bagagem e sequer param, pedem desculpas ou ajudam a pegar o que elas derrubaram. Os viajantes estão cansados de saber que vão passar no detector de metal e não tiram nada: deixam para tirar 70 coisas na hora de passar no detector e não raro precisam ir e voltar três vezes porque esqueceram de tirar algo. As pessoas furam a fila, se apresentam antes do seu grupo ser chamado na hora do embarque… é cansativo. É um misto de burrice extrema com egoísmo e prejuízo para todos.  

Um dia desses eu estava sentada em determinado assento, conforme indicava meu cartão de embarque, e uma comissária me abordou e me obrigou a mudar de lugar para outra pessoa sentar (?!!!!!!). Eu mostrei o cartão e ela insistiu até que eu levantasse dizendo que o assento tinha sido alterado (onde/quando/ninguém me informou), me direcionando para um assento muito pior na última fila do avião. Embora estarrecida, o cansaço e a noção de que esse tipo de conduta se tornou comum me impediram de dizer umas poucas e boas para essa comissária.  

Nas companhias aéreas, reina a regra de que se você estiver precisando se deslocar, terá de pagar com a sua alma. Passagens com pouco tempo de antecedência custam tão caro que chega a ser imoral. Mas caso você queira adiantar um voo – o que vai permitir que a cia aérea venda o seu lugar por um valor absurdo para quem estiver precisando – vai ter que pagar para remarcar. Alterações em voos se tornaram antieconômicas e impraticáveis para os consumidores. 

Aviões lotados e desconfortáveis

Aviões lotados e desconfortáveis (Imagem gerada por IA)

Mas e os programas de fidelidade? São apenas aparentes, já que milhas valem cada vez menos e ser um viajante frequente não importa mais: lhe garante ser o penúltimo a entrar na aeronave, após todas as prioridades por lei – ao menos essas prioridades estão sendo respeitadas -, antes dos grupos de despacho obrigatório de bagagens. Em meio a tanta evolução tecnológica, até hoje não há um sistema de embarque e desembarque lógico e eficaz. Salve-se quem puder e quem tiver condições físicas para isso.   

A falta de alternativas e a regulação que coaduna com posturas contrárias aos interesses dos consumidores indicam que não devemos esperar alterações positivas, na contramão do que vemos acontecer nos demais serviços que usamos, que se beneficiam da tecnologia e da inovação, em prol de seus usuários. Essa é uma antítese grave no mundo de hoje e denotaria curta sobrevida de um modelo de negócios tão desgastado, porém o fato de o transporte aéreo funcionar por concessões representa uma barreira considerável para entrada de novos modelos. Essa é uma das poucas áreas em que somos completamente reféns das concessionárias, que se aproveitam desta condição sem pudor.  

E quem acha que só os consumidores levaram a pior se engana. Naturalmente os primeiros a perder são os funcionários. Repare nos pilotos e comissários chegando na aeronave: todos levando as sacolinhas com as próprias refeições. Não se atreva a procurar o balcão das companhias nos aeroportos: vai se deparar com no máximo três funcionários para atender uma fila de dezenas de clientes muito nervosos e insatisfeitos – e provavelmente esses três funcionários não têm treinamento, pois eles se levantam para procurar o/a gerente para cada tecla que precisa ser acionada, enquanto o horário para embarque passa.  

Se não tivermos poder para expressar nossa insatisfação com consequências financeiras para as companhias e para aqueles que comandam a regulação do setor, não existirá qualquer estímulo para mudança. Embora o caminho seja longo para mudar a regulação, ele só se inicia com uma grande insurgência. E é nesse contexto que eu convido os incomodados para a campanha: Gol-Azul e Latam: nós não gostamos do que vocês viraram e como conduzem o nosso transporte. Que tal otimizar para todo mundo e embarcar em uma mudança radical de conceito em que as pessoas sejam prioridade? Gente feliz é extremamente mais rentável do que gente que fica tão frustrada que na primeira oportunidade que tiver vai prejudicar vocês: sejam funcionários, sejam usuários dos serviços.  

Enquanto isso, preciso me lembrar que não posso mais me organizar para usar o meu tempo no avião trabalhando: faltam condições mínimas de dignidade para isso. Agora tenho sempre um livro de bordo.  

E você, o que acha sobre tudo isso? 

Topa entrar na campanha comigo? 

Qual seu passatempo a bordo de avião? Lembrando que não vale falar rede social porque a internet não está disponível em todas as companhias/voos – o que também é motivo de muita frustração para os passageiros…  

1 Para os dados de transporte de passageiros de avião no Brasil, consulte o site da ANAC – dados e estatísticas – mercado do transporte aéreo – painel de indicadores do transporte aéreo (https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/dados-e-estatisticas/mercado-do-transporte-aereo/painel-de-indicadores-do-transporte-aereo 

2 https://www.gov.br/turismo/pt-br/assuntos/noticias/com-previsao-de-quase-5-bilhoes-de-passageiros-aereas-esperam-recorde-na-movimentacao-de-viagens-em-2024  

 Para dados de transporte de passageiros de avião no mundo, consulte: Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO) www.icao.int, Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) www.iata.org, Airports Council International (ACI) www.aci.aero e Banco Mundial https://www.worldbank.org/en/topic/transport/brief/airtransport, por exemplo.  

Buscas por dados realizadas em chat.deepseek.com e google em 10/02/2025. 

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